Na movimentada Belém dos anos 2000, em meio ao vaivém de ônibus na Almirante Barroso e, aos gritos abafados de vendedores ambulantes na Av. Presidente Vargas, havia uma vila com quatro casas de paredes cansadas e histórias pulsantes. Um endereço que talvez passasse despercebido aos olhos apressados, mas que abrigava o sonho de uma cidade. A Casa dos Estudantes de Óbidos (CEO), na Rua Antônio Barreto, 1231- Umarizal, não era apenas um lugar para dormir, era uma trincheira contra o abandono, um abrigo de esperanças, um terreno fértil onde floresciam futuros improváveis.
Sou grato por ter morado ali entre os anos de 2000 a 2006. Cheguei ainda adolescente, com o nervosismo típico de quem sai do ninho pela primeira vez. Tinha comigo uma mala enxuta, livros emprestados e a coragem inflamada de quem sabia que precisava vencer. Ali, naquela casa de chão gasto, cresci. Tornei-me engenheiro. Mas, antes disso, tornei-me adulto. Aprendi a cozinhar, lavar e passar roupa, fazer durar a mesada de meio salário mínimo por trinta dias. Comendo arroz, farinha e o peixe que meu pai mandava de Óbidos, junto com a inconfundível linguiça caseira que nunca faltava.
A casa não era perfeita. Precisava de reparos, de pintura, de cuidado. Mas graças a Deus, nunca faltou comida. E quando existia a possibilidade de faltar, sempre havia uma rede de apoio, nossos amigos de Óbidos que moravam em Belém nos acolhiam com generosidade. Jamais nos negaram um prato, um sorriso ou uma palavra de conforto. Esse espírito Pauxi era o que mantinha tudo de pé.
Nós, jovens obidenses, dividíamos as contas, os sonhos e o medo do amanhã. Inventamos alternativas. Criamos o Festival do Jaraqui em Belém, vendemos bingos, escrevemos ofícios, batemos de porta em porta. Cada centavo arrecadado era convertido em cimento, tinta, comida ou, em noites mais alegres, em vinho barato dividido entre risadas e planos.
Havia algo de sagrado naquele lugar. Não pelas paredes, mas pelas pessoas que por lá passaram. Muitos se tornaram professores, advogados, engenheiros e levaram consigo a marca de uma história de luta. Mas também houve aqueles que, por caminhos diversos ou dificuldades pessoais, não conseguiram concluir seus cursos ou alcançar seus sonhos acadêmicos. Ainda assim, a casa foi fundamental para eles. Foi porto seguro, foi escola de vida, foi sustento em um tempo difícil. Nem todo sucesso se mede por diplomas.
A Casa era mantida pela força coletiva, por estudantes que administravam o impossível com um calendário, uma planilha rabiscada à mão e muita vontade de não deixar a estrutura desmoronar.
Hoje, o imóvel passa por obras e vai se tornar um anexo de uma editora. É o fim de um ciclo, sim. Mas não o fim da história. Porque a casa cumpriu seu papel. Foi ponte. Foi lar. Foi resistência. E, acima de tudo, foi útero de futuros que pareciam inalcançáveis.
Sinto orgulho por ter sido parte disso. E por saber que, junto com os meus amigos de jornada, deixamos algo ali que nem o tempo, nem a reforma, nem o silêncio poderão apagar de nossas memórias.
Autor
Breno Coelho