O coração cala a voz!
Aristides Dias
Levei um tempinho para escrever essa narrativa, pois foi uma cena muito forte que ainda não tinha vivido.
Participava como jurado de um festival de vozes (Karaokê) em uma dessas noites chuvosas de Belém, onda a chuva não se decide se para ou se continua. Mas, mesmo assim o local do evento estava lotado, com uma atmosfera pra lá de bacana, num clima bem familiar.
Diria que era uma grande confraternização entre famílias, onde até torcida com camisa e tudo tinha. Sem falar na organização que estava impecável, tudo funcionando perfeitamente. Mais de quarenta candidatos inscritos aguardavam sua hora de subir ao palco e soltar a voz.
E assim foi, cada concorrente mostrava seu talento de sua forma bem peculiar, teve candidato com deficiência visual que mandou ver, teve também concorrente especial que, com todas as barreiras, subiu ao palco e emocionou a todos. Realmente era uma noite pra lá de especial, se não fosse o coração aprontar a dele.
O concurso já estava na sua reta final, quando subiu no palco um senhor de uns 70 anos aproximadamente e começou a cantar. De onde eu estava eu percebia suas pernas e braços trêmulos, como se tivesse nervoso ou muito emocionado, mas ele, bravamente, não se deixava tomar pelo nervosismo ou emoção e cantava, cantava, como se estivesse sentindo a música em sua alma.
E assim foi até o final. Quando começou a receber os aplausos ele tombou para frente, caindo ao chão e depois mais um pouco. O clima de alegria deu lugar ao de apreensão, nervosismo, tristeza, tensão. As vozes se calaram e o que se via era um esforço hercúleo para trazer a voz de volta, através de massagens cardíacas, a ambulância chegou depois de mais de vinte minutos, os socorristas continuaram tentando, tentando, mas a voz se calou e deixou um Porto solidão. Essa era a música que ele cantava, do Jessé.
Se um veleiro
Repousasse
Na palma da minha mão Sopraria com sentimento E deixaria seguir sempre Rumo ao meu coração….