Lenda da cobra grande no Círio atiça imaginário popular em tempos de pandemia - Ananindeua

Aristides Dias

 

 A minha geração, acredito ser uma das últimas a viver o imaginário popular. É comum nos interiores da Amazônia se falar de “mulher que se transforma em porca”, “homem que vira cavalo”, boto que vira homem pra emprenhar a cauintã ribeirinha” etc.

Digo a minha geração, porque as gerações atuais vivem o advento da era tecnológica e essas crendices não habitam mais o imaginário delas. A molecada de hoje quer saber dos Playstation da vida, jogos eletrônicos e qualquer coisa que dê pra se fazer no celular.

Na minha infância, vivia-se o dia inteiro na rua jogando peteca, futebol, turiti com caroço de tucumã, papagaio, curica, além de catar carteira de cigarro pra virar dinheiro, entre outras brincadeiras da época. Éramos crianças livres que vivíamos soltos e convivíamos lado a lado com essas crendices, mesmo porque os adultos nos passávamos essas experiências.

Certa vez escutei em Óbidos, quando ainda morava lá, que um rapaz que voltava de uma festa e, ao passar em frente a igreja de Sant’Ana, viu que a porta estava aberta, e assim que passou por ela, começou a escutar algo que se arrastava no chão. À medida que ele apressava os passos, o barulho também acelerava (ronc, ronc, ronc.). Ele olhou pra trás e viu a porca arrastando uma corrente pelo pescoço. Tomado pelo medo ele não sabia se corria, se gritava, pois sentia as pernas pesadas, uma sensação de desmaio. A essa hora o efeito da cachaça já tinha voado. Ele dizia que só se deu conta no dia seguinte, na sua rede.

Eu, moleque curioso, escutava direto essas “estórias” e não tinha como não acreditar. Passar da meia noite na praça de Sant’Ana, nem pensar e olhar pra dentro da igreja a noite e ver aquela luz vermelha lá no fundo, chega arrepiava.

Depois de adulto, cheguei a escutar do povo de lá, que viram um homem virar peixe, que chamaram a ambulância e o pitiú exalava o quarteirão. Dessa vez não acreditei mais e até tentei argumentar, tentando convencê-lo de que não é possível, mas foi em vão. Ele era daquela gente “raiz” que ainda acreditava nessas crendices, acho que era de uma geração anterior a minha.

Sempre estou indo na minha cidade e confesso que nunca mais escutei esse tipo de coisa. Mas, na minha época a Cobra Grande fazia rachar as paredes da igreja, tinha um que virava cavalo, outra virava porca, outro virava boto, sem contar que o Laguinho era um lago encantado, tinha homem do tamanho de um poste que descia a Bacuri, assim como um caixão que também rolava a Bacuri e ninguém desafiava provar o contrário.

VIVA A CULTURA POPULAR!

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