Dr. Salomão Kahwage
No Brasil, as pessoas sempre olham torto para quem tira a famosa sesta (cochilo) depois do almoço, como se isso fosse uma grande perda de tempo. E mesmo muitos dos que tiram sua soneca diária se sentem culpados. O tabu é tão forte que sempre nos lembramos de um mexicano com um enorme sombreiro ou um caipira do mato, quando se rememora esse assunto. Na verdade, dito hábito é mais comum do que se imagina fora do território latino. Em vários países do Oriente e do Mediterrâneo, os comerciantes fecham as portas de seus estabelecimentos depois do almoço para dormir.
O sono é composto por estágios que sofrem alterações no decorrer da noite. Para conhecê-los melhor, submete-se uma pessoa a um exame especializado denominado polissonografia. Por esse exame, ter-se-á uma análise completa do sono de um indivíduo durante a extensão temporal de uma noite inteira. Com tal exame, já se descobriu que o sono humano é composto por estágios cada vez mais profundos (1, 2, 3 e 4), e outro denominado REM (Rapid Eye Movement), este com movimentos oculares rápidos. Todos formam o primeiro ciclo de 90 minutos de sono que se repete quatro ou cinco vezes ao longo da noite.
Parece complicado, mas basta entender que começamos a dormir no estágio 1 e vamos caindo num sono mais profundo até chegar no 4. Neste estágio, as ondas cerebrais são mais lentas e, portanto, é mais difícil acordar. Além disso, conforme aprofundamos o sono, todos os músculos do corpo relaxam gradativamente. Se eles relaxarem muito rápido, serão obrigados a se contrair, e, depois, relaxarem mais devagar, o que nos causará a impressão de cairmos em queda livre da cama quando pegamos no sono. Não se assuste se isso acontecer. É absolutamente normal. Depois do estágio 4, começa o REM, no qual também é mais difícil despertar; é o estágio onde aparecem os sonhos, que são uma das formas de reavaliar as informações da memória e de se fazer uma faxina geral, livrando-nos daquilo que não nos interessa: daí a repetição de alguns sonhos e imagens antigas. É como se estivéssemos sempre arrumando e limpando um arquivo de escritório.
O cochilo não é uma miniatura do sono da noite. Ele é um sono curto que não chega até o estágio REM – fica do 1 a 4 –, ou seja, nunca repõe o sono perdido durante a noite. Aquela pessoa que trabalha muito durante a semana, e quer recuperar o sono aos sábados e domingos, dormindo várias horas seguidas após o almoço, corre o risco de ter insônia à noite. E quem já sofre de insônia e resolve compensar com uma soneca rápida durante o dia, só piora a situação. O melhor, se você conseguir, é evitar essas cochiladas ocasionais. Por outro lado, o cochilo regular (cerca de 45 minutos, todos os dias, após o almoço) não prejudica o sono da noite.
O que varia de pessoa para pessoa é o jeito de cochilar. Alguns escritores, que passam o dia sozinhos escrevendo, costumam trocar o horário de sono. Às vezes, trabalham a noite inteira e cochilam várias vezes ao dia. No século XV, Leonardo da Vinci passava as noites em claro, para não interromper seu processo criativo, e durante o dia cochilava um pouco. Ele fez isto durante anos seguidos, sem prejudicar o sono e sua produção.
Outra situação de isolamento relativo é a dos navegadores de regatas. Eles permanecem muito tempo acordados porque precisam vencer a prova e não podem deixar o barco à deriva. Para não ficarem exaustos nem perderem a prova, a solução é tirar alguns cochilos ao longo do dia ou da noite. Para algumas pessoas, os cochilos divididos ao longo do dia são extremamente necessários. É o caso de equipes de resgate ou de bombeiros, os quais passam dias seguidos realizando uma tarefa. Nessas situações extremas, é preciso manter o mínimo de repouso para atingir os objetivos: uma hora de sono a cada três de trabalho.
Em resumo os cochilos, quando bem dosados, podem trazer vários benefícios — mas em excesso ou no momento errado, também há riscos.
Cochilos breves (10–30 min): promovem redução da sonolência e do estresse: mesmo sonecas de 10min já promovem elevações de humor e redução da fadiga. Estudos apontam que o hipocampo é ativado após cochilos, favorecendo a retenção de novos aprendizados.
Riscos associados a cochilos longos (> 60 min) especialmente regulares, associam-se a um aumento significativo no risco de doença cardiovascular, diabetes tipo 2 e mortalidade geral.
Cochilar só é bom para a saúde de maneira regular – 30 minutos todo dia após o almoço. O cochilo para compensar o sono noturno perdido ou reduzido – repete-se – pode causar insônia ou mudar o padrão de sono. Como nem todo mundo tem o cérebro de um Leonardo da Vinci, nem a resistência de um navegador solitário ou a energia de um bombeiro, o melhor é continuar dormindo à noite e ficar acordado durante o dia.