Terminou neste domingo(26) a 21ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), realizada em Paraty, Rio de Janeiro. A festa teve início em 2003. Segundo Sérgio Rodrigues a primeira edição da FLIP resultou do esforço de uma inglesa, Liz Calder, que prestou ao Brasil uma das maiores provas de amor de que é capaz uma mulher: apaixonada, usou todo o seu prestígio para trazer para o país o conceito de festival literário, comum já na Europa e nos Estados Unidos, mas desconhecido por aqui.

Nessa festa o obidense Romualdo Andrade lançou seu livro “Terra Anfíbia”.

Sobre o livro:

“O céu, vestido de um manto cerúleo, formava nuvens de padrões tão diversos que minha imaginação desenhava formas e bichos inexistentes e que logo eram apagados pelo vento, como se, em um borrador gigante, o Criador brincasse de desenhar. No instante seguinte, Ele voltava a desenhar figuras, ainda carentes de algum significado, num ciclo pareidólico de iteração constante. Era ali, naquele gigantesco palco dum azul infinito, como um Caribebé altivo, que aquele bailarino negro evoluía. Eu, miúdo, em terra e como um inseto áptero a admirá-lo, de inveja morria.”

Do conto “Terra Anfíbia”

Com a apresentação do escritor obidense radicando em Macapá, Fernando Canto e o prefácio do escritor e poeta Daniel Leite, de Belém, foi lançado na 21a edição da FLIP, Feira Literária Internacional de Paraty, Rio de Janeiro, o livro Terra Anfíbia e outros Contos do obidense Romualdo de Andrade, pela editora Patuá de São Paulo. O livro contém dezesseis contos dos quais, a maioria, tem Óbidos como pano de fundo. De acordo com a escritora Lucia Facco “os contos desta coletânea falam das mazelas do ser humano, com um enfoque especial à morte. Ela é recorrente e surge de maneiras e pontos de vista variados.

[…] Então o privilégio de Romualdo não é somente sua memória afetiva, como dizem. É a visão amplificada e impregnada de sentidos para dentro da floresta depois das incursões ficcionais que realizou pela vida. Terra Anfíbia se banha em uma linguagem culta e ao mesmo tempo coloquial, aspectos estilísticos que provocam a empatia e o prazer de quem o lê de modo que este participe com o autor das finalizações dos contos. […]

Fernando Canto

[…] Este é um livro tecido com outros livros, intertextos do autor com outras leituras, ao fundo sempre algum jazz e sempre Circe a nos seduzir: nós, sedentos, nas taças das páginas, conhecemos o corpo da erudição de um leitor-autor. Erudição esta não como uma empáfia das histórias, mas como um mundo-reinvenção, o motor do

texto a nos lançar em um realismo aquífero, palavra e porto, cidades e travessias, arte e abismo, uma vida pulsante, um livro que se partilha como um corpo mútuo. […]

Daniel Leite

Nas dezesseis histórias desse livro, há um clima sombrio, onde a desesperança é, às vezes renovada por um laivo de fé e, em outras, enfrentadas com resignação e altivez. Os contos têm uma sensibilidade muito grande: se há incerteza, também há poesia e beleza que aliviam o leitor, mostrando-lhe que essa beleza é possível inclusive diante da morte”

[…]O irônico, o multifacetado e moderno Romualdo de Andrade também se revela sentimental ao trazer romantismo ao prisma das afeições psicológicas e estratégicas nas figuras de suas histórias. O livro é um trabalho eclético onde o autor adota uma linguagem supra regional para dizer de transmutações e fatos marcantes aos olhos lampejantes que lhe observam. Eles mal sabem, porém, do seu temperamento anfíbio quando asperge terra e água sob o sol para dar visibilidade à extraordinária naturalidade e ancestralidade amazônica. […]

Fernando Canto

O conto Terra Anfíbia, vencedor do Prêmio Off Flip 2020 e que dá título ao livro, discorre sobre o processo da escrita e da memória como fonte de criação: em busca de inspiração ou de alguma forma que possa transpor seu bloqueio criativo, um escritor refugia-se na casa em que crescera na Amazônia. Tendo como única companhia seu cachorro Diógenes, todos os dias, como uma espécie de ritual, ele deixa a máquina de datilografar à sua espera pronta para que, em algum momento, possa voltar a escrever e assim furar o bloqueio que o mantém inerte já há algum tempo. Numa manhã, ao observar a paisagem coberta por uma espessa neblina, as palavras começam a fluir. Vai até à Remington e, ao tentar colocar no papel a paisagem observada, a narrativa é bruscamente interrompida por vozes que vêm do interior da casa. Confuso, e sem saber a origem do barulho que lhe interrompe a escrita, começa a imaginar que, os eventos fantásticos narrados por sua avó, começam a fazer sentido: rememora a infância passada naquela casa e tenta reconstruir a epopeia lusitana na época da Cabanagem que procuraram

refúgio no coração da Amazônia: embrenhados em uma mata que mais lhes parecia um capricho de Dante, os portugueses e seus descendentes que moravam em Belém há muito tempo, encontraram refúgio num lugar que até o próprio Criador demorou um bocado de tempo para se dar conta de que ali era, também, resultado de sua criação.

O conto evoca uma sensação de isolamento, nostalgia e mistério, enquanto o protagonista tenta entender as vozes que o perturbam e reflete sobre o passado turbulento da região. A história também destaca a relação do protagonista com seu cão, Diógenes, e como ele busca respostas para as misteriosas interrupções em sua rotina. “Terra Anfíbia” oferece uma atmosfera rica e uma exploração poética das memórias e da conexão com o lugar.

Outro conto, também vencedor do Prêmio Off Flip 2022, O Vaso Grego e o conto Der Anfang ou O Começo, destaque na edição de 2023 também estão nessa coletânea.

Quanto ao lançamento em Óbidos não há previsão ainda.

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